terça-feira, 6 de novembro de 2012

About Cat, or me#3 - Ao meu morto, ao meu querido morto...

"Ah, a miséria dos nossos ouvidos surdos, das nossas almas fechadas! Les morts vont vite... Não é verdade! Não é verdade! Os mortos são na vida os nossos vivos, andam pelos nossos passos, trazemo-los ao colo pela vida fora e só morrem connosco. Mas eu não queria, não queria que o meu morto morresse comigo, não queria! E escrevi estas páginas...

Este livro é o livro de um Morto, este livro é o livro do meu Morto. Tudo quanto nele vibra de subtil e profundo, tudo quanto nele é alado, tudo que nas suas páginas é luminosa e exaltante emoção, todo o sonho que lá lhe pus, toda a espiritualidade de que o enchi, a beleza dolorosa que, pobrezinho e humilde, o eleva acima de tudo, as almas que criei e que dentro dele são gritos e soluços e amor, tudo é d'Ele, tudo é do meu Morto!

A sua sombra debruçou-se sobre o meu ombro, no silêncio das tardes e das noites, quando a minha cabeça se inclinava sobre o que escrevia; com a claridade dos seus olhos límpidos como nascentes de montanha, seguiu o esvoaçar da pena sobre o papel branco; com o seu sorriso um pouco doloroso, um pouco distraído, um pouco infantil, sublinhou a emoção da ideia, o ritmo da frase, a profundeza do pensamento.

Bastar-me-ia voltar a cabeça para o ver...

Este livro é de um Morto, este livro é do meu Morto.

Que os vivos passem adiante..."

Florbela Espanca



Porque o que dói mais são aqueles que vivem e se perdem de nós nas encruzilhadas da vida! 
Os nossos mortos que ainda continuam vivos magoam, magoam sobretudo porque andam por aí, porque nos cruzamos com eles, mas estão tão, tão, tão longe... 



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